- Ciência
Você sabe dizer qual a relação entre uma fita que é 20 mil vezes mais fina do que um fio de cabelo e o aumento no peso das pessoas de todo o mundo?
Se você ainda não desconfiou, saiba que estamos falando do nosso DNA, a espiral localizada no núcleo das células que contém o código genético de cada ser vivo e que tem influenciado na epidemia de obesidade planetária.
Ele é formado por um conjunto de genes que têm composições que variam de indivíduo para indivíduo e podem gerar predisposição para determinadas condições de saúde, como alergias e doenças autoimunes.
E, entre os mais de 20 mil genes que ele abriga, há aqueles que têm relação direta com a forma com que seu corpo absorve nutrientes, armazena gordura, registra o momento em que você obtém a saciedade durante uma refeição e manifesta intolerância a algum tipo de alimento.
Ou seja, olhar para sua composição genética pode ser um caminho para descobrir tendências em relação ao desenvolvimento da obesidade, abrir portas para evitar que ela se instale ou para combater seu avanço.
Antes de explicar melhor como isso é possível, vale mencionar um mecanismo que foi gravado em nossos genes durante o longo processo de desenvolvimento da espécie humana.
Herança engordativa
Imagine que você depende da caça para se alimentar. É preciso encontrar um animal que possa ser abatido e ter sucesso em acertá-lo. Algo que pode não ser fácil e ter uma baixa taxa de sucesso. O mesmo vale para a coleta de frutos silvestres. Dependendo do local e da época do ano, pode ser um desafio obter uma boa quantidade.
É por isso que, durante milênios, os seres humanos que eram mais capazes de armazenar gordura, a partir dos alimentos que conseguiam, tinham mais chances de sobreviver. Foram eles que transmitiram seus genes "engordativos" para as gerações posteriores, ou seja, nós.
Só que, hoje, não apenas a comida é facilmente acessada pela maioria da população, como não fazemos mais o esforço de caçar ou coletar frutos por amplos territórios. Para completar, a sociedade humana criou guloseimas tentadoras repletas de calorias vazias, que não ajudam a nos dar saciedade. Mil pontos para a gordura em nossa guerra contra o seu acúmulo, não é?
É assim que uma combinação da nossa genética, herdada dos nossos antepassados caçadores-coletores, e do ambiente em que atualmente vivemos, reconhecido como obesogênico, pode determinar nossa probabilidade em ganhar ou perder a luta contra a balança, travada, cada vez mais, por pessoas no mundo todo.
Descobrir como seu organismo tende a se comportar quanto ao armazenamento de gordura ou em relação à obtenção da saciedade pode ser uma ferramenta essencial para que você encontre as estratégias certas para manter um peso adequado, ter uma vida saudável e desfrutar de bem-estar.
Seus genes falam
A ciência já revelou que existem modificações nos padrões genéticos, chamadas de polimorfismos, associadas à obesidade e ao comportamento alimentar de cada pessoa.
Hoje, já é possível realizar testes laboratoriais que mapeiam seus genes em busca da presença desses padrões modificados. Através de seus resultados, um profissional de nutrição pode calcular se você tem maior ou menor risco de desenvolver condições de saúde relacionadas ao ganho de peso ou à regulação do apetite, por exemplo.
Há uma lista de genes que costumam ser avaliados em busca de alterações em pessoas que têm obesidade. O mais estudado é o gene FTO, que possui dois trechos em que pode haver diferenças em relação ao padrão considerado normal.
Seu papel no controle do balanço energético já foi comprovado e um conjunto de estudos elucidou suas relações com o progresso de doenças metabólicas. Assim, já há tratamentos para a obesidade que, por meio de compostos dietéticos, especialmente polifenóis, são capazes de direcionar o FTO.
Outro gene pesquisado é o MC4R. Ele está relacionado ao comportamento alimentar: pessoas em que ele apresenta polimorfismos costumam sentir necessidade de buscar petiscos ao longo do dia e ter mais dificuldade para se sentirem saciadas.
Identificar a presença de alterações neste gene permite o desenvolvimento de estratégias que facilitem a conquista da saciedade, através de alimentos com menor índice glicêmico, por exemplo.
E um terceiro gene que vale mencionar é o COMT. Pessoas que têm determinadas variações em sua estrutura podem ter alteração no processamento da dopamina, um neurotransmissor que aciona o sistema de recompensa do cérebro, influenciando o controle do apetite.
A partir da análise do DNA, é possível descobrir a presença dessas variações genéticas e orientar um tratamento que ajude a regular o fluxo de dopamina no organismo, de modo a diminuir a sensação contínua de fome.
Do micro ao macro
Se você tem interesse em nutrição de precisão, vive lutando contra a balança ou possui um comportamento alimentar desarmônico, pode ser hora de fazer um teste que revele se os seus genes estão mesmo influenciando em suas relações com seu corpo e com os alimentos.
É uma ferramenta importante que, se não determina totalmente a conduta nutricional a ser seguida - já que, para determiná-la é preciso considerar o ambiente em que você vive, sua rotina, suas preferências e suas expectativas -, vai ajudar a traçar estratégias alimentares e terapêuticas mais eficientes, além de permitir que você se conheça melhor.
Sim, vivemos em uma sociedade engordativa e sabemos que o ambiente é tão ou mais influente no acúmulo de peso do que a genética.
Mas, mesmo assim, saber o que esse filete ultra fino, que é o seu DNA, tem a ver com o engrossamento indesejável de sua cintura ou de seu quadril, pode fazer a diferença entre manter ou se livrar dos quilos a mais que você pode ter acumulado em sua vida. Pronto para entrar nesse mundo microscópico?
Awake. Life is inside.