- Ciência
Quando falamos sobre agulhas na medicina, costumamos pensar nas seringas das injeções, temidas desde a infância e típicas da sociedade do ocidente. Mas há um universo mais antigo e complexo (e na maioria das vezes indolor!) envolvendo esses pequeninos instrumentos de metal. E este universo foi criado no lado oposto do planeta, no extremo oriente, se desenvolvendo durante milhares de anos, através das experiências transmitidas por gerações e gerações de terapeutas da região, sobretudo chineses.
Considerada, desde 2010, Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco - devido ao conjunto de saberes tradicionais de valor inestimável que reúne, a acupuntura chega até nossos dias em plena forma e demonstra que suas finíssimas agulhas podem ser elementos medicinais capazes de favorecer a saúde e o equilíbrio, quando corretamente utilizadas.
Se os mestres orientais, sobretudo da China, conseguiram tratar um grande número de enfermidades e desequilíbrios por tanto tempo é porque a acupuntura realmente tem um imenso poder terapêutico. Para entender como ela funciona, vamos falar sobre seus princípios, de acordo com a visão tradicional do oriente, mas vamos ver também como a ciência atual explica seus efeitos.
Qi, o fluxo do corpo.
A medicina chinesa tradicional enxerga nosso organismo como uma rede de canais, conhecida como meridianos, pelos quais circula um elemento chamado Qi (que pode ser traduzido como energia vital), unindo todas as regiões do corpo para que forme um todo integrado. Quando há uma desregulação desse movimento, podem ocorrer vários problemas de saúde, resultando em dores, inflamações, intoxicações e outras disfunções físicas e mentais. Para restaurar o equilíbrio deste fluxo vital é que são realizadas práticas terapêuticas como a acupuntura e a moxabustão.
Ao inserir agulhas em determinados pontos do corpo, a acupuntura estimula a circulação harmônica do Qi, permitindo que todas as funções do organismo sejam restabelecidas e a pessoa tratada fique saudável. Para compreender esse conceito, podemos pensar na rede que forma nosso sistema circulatório, em que nutrientes e oxigênio são transportados para abastecer as células e resíduos não mais desejados são removidos, promovendo a desintoxicação.
O mesmo processo curativo é realizado na prática de moxabustão, só que, ao invés de agulhas, ela usa o calor gerado pela aplicação de cones ou bastões de artemísia, que são queimados sobre ou próximo dos pontos do corpo definidos pela acupuntura, desbloqueando travas e estimulando a circulação saudável do Qi.
Cada sistema do organismo possui um conjunto de canais e os pontos em que a acupuntura ou a moxa são aplicados seriam como "portas" que se comunicam com essa rede de canais, regulando seu fluxo. Essa regulação é capaz de interferir na respiração, na pressão, na imunidade, na produção de hormônios, na musculatura e na renovação celular, estimulando os mecanismos regeneradores do corpo.
A ciência ocidental tem estudado o funcionamento da acupuntura para tentar entender porque ela é eficaz. Uma das conclusões desses estudos é que ela consegue atingir o sistema nervoso central e gera a ativação de vários sistemas fisiológicos no cérebro, estimulando os neurotransmissores e a liberação de substâncias, como endorfinas, que são capazes de promover uma diminuição da percepção da dor.
E, realmente, as propriedades analgésicas da acupuntura têm sido cada vez mais reconhecidas pela medicina atual e sua aplicação vem sendo recomendada para um amplo conjunto de tratamentos, já que, além de ser eficiente, não gera os efeitos colaterais que os analgésicos químicos podem produzir.
Um mapa terapêutico das agulhas
Como a ciência e a comunidade médica - que segue seus princípios -, se baseiam em evidências, a acupuntura e outras práticas integrativas vêm tendo seus resultados mapeados para que seja possível medir sua eficácia. Uma plataforma especialmente criada para divulgar esse conhecimento é o Mapa de Evidências das Práticas Integrativas e Complementares (PICs), uma iniciativa do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS – ligada à Organização Mundial da Saúde – OMS.
Ele traz vários mapas sobre diferentes PICs, sendo que um deles contém um levantamento extenso sobre os estudos científicos a respeito da acupuntura. Um outro mapa também apresenta uma série de estudos científicos de um setor específico dela, a auriculoterapia, que é a ativação de pontos terapêuticos localizados nas orelhas dos pacientes. As pesquisas apresentadas revelam que, além do tratamento da dor, elas têm sido úteis para tratar doenças crônicas, distúrbios metabólicos e transtornos mentais.
A OMS também publicou um documento chamado Acupuntura: Revisão e Análise de Relatórios sobre Ensaios Clínicos Controlados, no qual aborda pesquisas sobre o tratamento de problemas cardíacos, digestivos, urinários, ginecológicos e até de câncer, oferecendo um panorama da experiência acumulada sobre essa prática medicinal em todo o planeta. A entidade editou uma lista com 41 doenças que podem ser tratadas através das agulhas.
No caso da obesidade, problema que adquiriu a dimensão de uma pandemia nas últimas décadas, a acupuntura tem se mostrado uma terapia capaz de ajudar no combate à doença, favorecendo a redução da gordura corporal e da circunferência da cintura. Além disso, ela pode ajudar no controle alimentar porque consegue reduzir a ansiedade que gera a ingestão exagerada de comida.
Para deixar claro a versatilidade terapêutica da acupuntura, podemos mencionar que há casos de sucesso no tratamento de acne, prisão de ventre, enxaqueca e até para o manejo da dor durante o trabalho de parto.
Entretanto, mais do que tratar uma doença já instalada, a filosofia que rege a acupuntura tradicional chinesa busca a prevenção dos desequilíbrios, atuando para que nossa energia vital - o Qi, para os chineses - siga fluindo harmoniosamente por todo nosso corpo. É a magia das agulhas agindo delicadamente para gerar saúde e bem estar.