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Será que você está viciado em gordura?

Será que você está viciado em gordura?
  • Conhecimento

Ela é onipresente na sociedade humana, está nas células do nosso organismo e em todas as padarias, em cada guia de saúde e em cada geladeira. Temos com ela um caso típico de amor e ódio, já que desejamos os alimentos que têm grande quantidade dela e combatemos as dobrinhas que ela forma em nossa barriga. Quem não entra em crise quando pensa em sua relação com a gordura?


Realmente, é desafiador enfrentar o dilema de sentir, ao mesmo tempo, desejo e repulsa por esse elemento vital. Sim, eu disse vital. Sem a gordura que compõe o nosso corpo, garantindo reservas de energia quando o acesso à comida se torna raro, a espécie humana não teria a menor chance de sobreviver e se espalhar pelo planeta. 


Talvez você não saiba, mas ela participa de processos essenciais ao organismo, como a produção de hormônios e enzimas que regulam vários dos sistemas físicos e mentais. Além disso, é somente com a presença dela que algumas vitaminas e compostos bioativos podem ser absorvidos. E ela ainda ajuda a proteger do frio e garante que a pele não desidrate, entre várias outras funções. Mas, como os médicos e nutricionistas nos alertam: cuidado, pois abusar de seu consumo é sinônimo de problemas. 


Assim como é um elemento vital, a gordura pode se transformar em um elemento mortal. Ou, ao menos, em um forte perturbador da saúde, gerando danos nas dimensões físicas, mentais, emocionais e até econômicas e sociais, já que ela está relacionada tanto às limitações na capacidade produtiva quanto aos preconceitos sofridos por quem está fora dos padrões considerados "normais" em relação à quantidade dela no corpo.



Sociedade obesogênica



Como as organizações científicas vêm alardeando, vivemos uma epidemia mundial de obesidade. De fato, a população está "crescendo para os lados" e a busca por afinar a silhueta envolve um mercado bilionário. Mas a questão está longe de ser somente estética. É que, junto com o aumento de peso, costuma vir a chamada síndrome metabólica: uma combinação de pressão alta, diabetes e outras doenças crônicas que causam imenso sofrimento individual e fortes impactos na saúde coletiva.


As causas dessa epidemia não são simples e combinam um mecanismo biológico de sobrevivência, que nossa espécie desenvolveu no passado, e uma estrutura socioeconômica recente, em que há uma disponibilidade inédita de alimentos ricos em gordura no dia a dia. 


Durante milhares de anos, apenas sobreviveram os seres humanos mais aptos a armazenar gordura em seus corpos - já que encontrar alimento não era fácil. É deles que todos nós descendemos. Em outras palavras, nossos genes estão programados para desejarmos alimentos gordurosos e, assim, termos maiores chances de sobreviver. Só que, no mundo de hoje, ao menos para uma boa parte das pessoas, existem alimentos gordurosos de sobra, algo bem diferente de épocas anteriores. 


É desse modo que o impulso genético para ingerir gordura ganhou um reforço extra da atual indústria alimentícia, com seus laboratórios de desenvolvimento de produtos e sua máquina publicitária. O resultado: a oferta de comidas e bebidas com a combinação certa para viciar nosso paladar e nosso cérebro, sempre através de anúncios irresistíveis em todos os lugares em que vamos. Acho que ficou evidente o porquê de usarmos a expressão "sociedade obesogênica", não é?



Desejo insaciável 



O mecanismo que faz você desejar mais e mais esses produtos é bem conhecido pela ciência. Ele envolve o sistema de recompensa do cérebro, já que, ao ingerir um alimento com boas doses de gordura e açúcar, há um estímulo à liberação de dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. Portanto, você vai querer repetir a experiência e tentar fazer com que ela se torne mais intensa e frequente.


Podemos dizer que o velho ditado "juntar a fome com a vontade de comer" ganhou um upgrade com a sofisticação da produção atual de alimentos gordurosos, na qual nossas preferências ancestrais e nossas respostas bioquímicas são cuidadosamente manipuladas com o objetivo de atingir o que é chamado de bliss point, algo como o ponto da felicidade ou ponto máximo do prazer gustativo. 


Entre as medidas a serem adotadas pela sociedade, temos: rotulagem das embalagens, com alertas sobre o teor de gordura, sal e açúcar; legislação adequada para regular a indústria e a publicidade; tributação que favoreça o consumo de alimentos in natura; e campanhas governamentais para orientar as pessoas a terem uma dieta saudável.



Romper o círculo vicioso 



Mas o que você pode fazer para escapar do circuito aprisionante que o desejo constante por alimentos gordurosos e não saudáveis o colocou? 


Uma das primeiras atitudes nesse caminho é se perguntar se o que você sente é mesmo fome, algo bem diferente daquela vontade de abrir um pacote de biscoito recheado ou de batata frita. Para saciar a fome, podemos simplesmente fazer uma refeição básica, como o velho arroz com feijão, salada e uma proteína animal ou vegetal. Já para saciar o desejo por uma guloseima, o cenário é bem diferente, não é?


Procure perceber essa diferença e, no caso da fome, comece a refeição pela salada ou legumes cozidos e depois dê preferência aos cereais integrais. Assim você garante um bom consumo de fibras; elas atuam em nosso intestino, reduzem o pico de glicose em até 75% e dão uma maior sensação de saciedade. Deixe os alimentos gordurosos por último e tente substituir molhos industrializados por temperos naturais, como ervas aromáticas. Há uma imensa variedade delas e vale a pena descobrir seus sabores.


No caso da sobremesa, estamos no país das frutas. Tem de todas as cores, tamanhos, formas, consistências… mergulhe nesse universo! Muitas delas são perfeitas para sucos poderosos. E, por falar em bebidas, é essencial se manter bem hidratado para não confundir fome com sede e mordiscar algo quando deveria simplesmente beber um copo de água. 


Por fim, evite comer fazendo outra tarefa. Se concentre no seu prato, aprecie a comida, mastigue bem cada garfada, tenha em mente que os alimentos são um elo essencial entre você e a vida. E lembre-se: assim como foi levado a desejar o que não faz bem ao seu corpo e à sua mente, pode aprender a ter prazer em apreciar o que vai tornar você mais saudável e potente. 


Afinal, a verdadeira saciedade emocional é justamente aquela que apenas uma rotina com vitalidade e bem-estar pode gerar, e não a que está dentro de um pacote de biscoito.



Awake. Life is inside.