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O poder do perdão para a saúde de corpo, mente e coração

O poder do perdão para a saúde de corpo, mente e coração
  • Longevidade

Você se lembra de suas brigas da época em que era bem pequeno? O mais provável é que, pouco tempo depois de se desentender com alguma outra criança, vocês já estivessem brincando novamente, para espanto dos adultos. Ficar de mal e ficar de bem se alternavam de forma fluida e o importante era seguir se divertindo e descobrindo o mundo. 


Não se apegar aos desentendimentos corriqueiros com os coleguinhas costuma ser parte de uma infância saudável. Crianças têm mais facilidade em virar a página, se o problema for entre elas e não for grave. Elas demonstram mais interesse em fazer as pazes e brincar do que em brigar ou, ao menos, do que ficar curtindo mágoas devido a uma simples divergência em meio ao divertimento. 


Mas, conforme elas deixam a primeira infância, esse cenário começa a mudar. É que, ao perceber melhor os limites entre si mesmas e o mundo, as crianças tendem a estabelecer com mais ênfase o que está de acordo com seus próprios valores, sentimentos e expectativas, e o que não está. Em outras palavras, elas começam a julgar os atos das outras pessoas e, se emitirem um veredito negativo, já não será tão fácil esquecer uma situação vivida. 


Pronto, o perdão espontâneo, que fazia parte do mundo dos pequeninos, já começa a não ser a regra. Voltar da escola, revoltado com a atitude de um colega ou professor, e não querer mais ir às aulas, não é algo incomum, o que vai exigir muito jogo de cintura dos pais. E não precisamos continuar esse enredo; você deve saber como ele avança e se lembrar de como a dificuldade em perdoar se infiltrou mais e mais em sua vida, conforme virava adulto.


Hoje, a partir de tudo o que você viveu, é provável que ainda guarde dores antigas, que surgiram nas mais diversas situações pelas quais passou, misturadas àquelas boas lembranças que permaneceram vivas.


Nossa tendência é reter na memória, de forma nunca totalmente objetiva, o que nos marcou, seja positiva ou negativamente. Muitas vezes, ambas as formas podem estar associadas às mesmas pessoas, o que nos deixa em um dilema em relação ao que realmente sentimos por elas e ao modo como devemos conduzir esses relacionamentos. 


Baú de mágoas


Quando alguém que não tem muita importância em sua vida age em relação a você de forma que você julga errada, é mais fácil reagir e resolver a situação entre vocês racionalmente ou - se isso não for possível -, se afastar e deixar de pensar no assunto. Mas, no caso de pessoas queridas ou que tenham forte influência no seu dia a dia, a situação costuma complicar, não é? 


Uma traição amorosa pelo seu companheiro ou companheira, uma puxada no tapete por um parceiro no trabalho, um favorecimento de seus pais a um irmão ou irmã… Há incontáveis formas de sentir que sofreu um golpe dado por alguém que realmente importa. Surgem sentimentos difíceis de administrar, às vezes contraditórios, que podem gerar um verdadeiro impasse, já que não é possível simplesmente se afastar. 


E, mesmo se você optar pelo afastamento, a chance de apagar as dores sentidas são ínfimas, se não houver um processo de cura dentro de você e entre vocês. 


Na realidade, costumamos alimentar nossas mágoas como se fossem bichinhos de estimação. Ruminamos as lembranças negativas e reafirmamos para nós mesmos o quanto fomos feridos e injustiçados por pessoas em quem confiamos e temos afeição. E, mesmo sabendo de todo o bem que elas também podem ter nos feito, encontramos dificuldade em fazer o que crianças pequenas fazem com frequência: perdoar e seguir em frente. 


É assim que vamos arrastando um verdadeiro baú de mágoas, que vai ficando mais pesado, conforme outras dores de acumulam. Então, costuma surgir aquele nó apertado no peito e fica difícil perceber onde cada dor começa e termina. 


Você deve saber o esforço que é arrastar o peso de seu baú pela vida afora. Entretanto - ao contrário do que parece quando você está imerso nesse redemoinho emocional -, no fundo, bem no fundo, você também sabe que não precisaria e não deveria ser assim. 


Se, no decorrer da nossa história, decepções e divergências com pessoas queridas são inevitáveis, lidar de forma negativa com essas experiências e permanecer imerso em revolta e mágoa não é. É possível desenvolver a capacidade de perdoar, libertando-se da pesada carga que seria arrastada dolorosamente ao longo dos anos e fazendo as pazes com a vida. 


Perdoar-se para perdoar


Sempre que nossos valores pessoais, como justiça, merecimento e bondade, não encontram correspondência nos atos de outras pessoas, nossa reação costuma ser de indignação ou decepção. A ciência já mostrou que isso gera uma perturbação tanto em nosso senso de identidade quanto em nossas relações interpessoais. Só que, muitas vezes, somos nós mesmos que agimos de forma incoerente com o que acreditamos ser o correto. Em outras palavras, pisamos na bola. 


Você já deve ter experimentado aquela sensação desconcertante de desarmonia consigo mesmo quando seus atos não correspondem às suas expectativas. Reconhecer que fez algo inadequado nem sempre é fácil e, mesmo que você consiga enxergar com clareza onde escorregou, é muito comum se julgar, se culpar e se condenar. 


Nutrir sentimentos de culpa, de frustração ou de raiva por si próprio devido a uma atitude negativa que tomou é profundamente doloroso, não é?


Por outro lado, as pessoas que conseguem assumir seus erros, olhar a si e ao outro com compaixão, reconhecer e acolher suas fraquezas e perdoar uma atitude que não consideram positiva, conquistam muito mais do que a paz de espírito perdida. Elas adquirem autoconhecimento e autocontrole para agir futuramente e têm maior probabilidade de estabelecer relacionamentos equilibrados, sobretudo na esfera amorosa, ao entender que as outras pessoas também passam por processos semelhantes.


Uma das chaves para tornar o ciclo de conceder e pedir perdão algo mais natural em sua vida é compreender que seus valores não são os únicos a serem considerados e que existe uma pluralidade de sentimentos e expectativas entre as pessoas ao redor. 


É o que a psicologia chama de assimetrias. Você pode nem se dar conta de que um gesto seu machucou alguém, já que não seria algo que machucaria você, caso fosse o contrário. O mesmo vale para uma outra pessoa: o que para ela não foi errado ou não foi grave, para você pode ter tocado naquela ferida mal curada e feito com que ela voltasse a sangrar. 


É por isso que a capacidade de sentir empatia, de deslocar seu ponto de vista para entender o ponto de vista do outro, de reconhecer que todos somos seres que falham, estamos submetidos a vários tipos de pressão e temos histórias diferentes, é importante para não se fechar no papel de eterna vítima e para construir relacionamentos baseados na realidade. 


Corpo, alma, coletividade


Hoje, há programas de educação para a paz em escolas, fundações e universidades. A habilidade de dialogar com quem não pensa como nós vem sendo desenvolvida desde a infância e recebe o nome de Comunicação Não Violenta. Ela envolve o exercício do perdão e já se mostrou benéfica para crianças de idades variadas, indicando que elas tendem a perdoar mais facilmente os ofensores que pedem desculpas e realmente expressam arrependimento. 


É uma demonstração de como o senso de justiça pode ser amadurecido desde cedo, o que é reforçado pelo fato de que testemunhar atos úteis de outras pessoas incentiva nosso comportamento positivo. Esse fenômeno é definido como Contágio de Objetivos Pró-sociais e significa que ver alguém fazer o bem nos faz bem e é contagioso!


Sabendo disso, imagine agora os efeitos do perdão nos ambientes profissionais, onde passamos boa parte de nossas vidas em contato com colegas de trabalho. Desavenças são mais do que comuns, sobretudo em períodos de maior estresse. Criar condições para que as pessoas se escutem, se acolham e se perdoem já demonstrou ter efeito benéfico para o entrosamento de equipes, o convívio diário e até para reduzir o esgotamento. 


Como já se sabe, existe uma associação positiva entre o exercício do perdão, a qualidade de vida, a manutenção da saúde física, emocional e mental, a satisfação em viver e o sentimento de pertencer a uma coletividade. 


Tudo isso favorece um envelhecimento saudável, como apontam vários artigos em publicações científicas, algo importante para lidarmos com uma população cada vez mais envelhecida, que atinge expectativas de vida maiores e demanda mais e mais cuidados. E contribui para evitar a solidão, já que há relações positivas entre perdão e satisfação conjugal e eles se retroalimentam. 


Por falar nisso, em nossa sociedade, os sentimentos estão associados ao coração, órgão que tem mais de 40.000 neurônios sensoriais. Pesquisadores levaram o tema ao pé da letra e fizeram estudos que demonstram que o processo de perdoar está ligado à saúde cardíaca. Até mesmo nosso companheiro constante de jornada, que bate no lado esquerdo do peito, sente o poder do perdão e reage positivamente a ele. 


Será este o modo que nossa alma encontrou para nos dizer que não vale a pena alimentar aquelas raivas e mágoas que adotamos como se fossem nossos bichos de estimação? 


Sim, corpo, alma e coletividade podem ser mais plenos e potentes, ao nos libertarmos de sentimentos negativos, perdoando a nós mesmos e aos que estão ao nosso lado; aprendendo, conjuntamente, a caminhar pelas trilhas imprevisíveis da vida. 


Awake. Life is inside.